No último post, descrevi a importância do binómio vinho/saúde e a classificação do vinho como um produto biactivo, devido ao seu elevado teor em compostos fenólicos.
Referi também que devido à exposição do nosso organismo ao stress constante, o nosso organismo desenvolve mecanismos de defesa ou protecção contra este stress, neutralizando assim os mecanismos reactivos antes que eles possam reagir com os alvos biológicos. Estes mecanismos de protecção ou defesa são denominados de antioxidantes, ou seja, são substâncias que atrasam ou diminuem a oxidação dos substratos protegendo os alvos biológicos (Magalhães et al., 2008).
Os antioxidantes podem ser de origem não-enzimática e entre eles estão a vitamina C, a vitamina E, os carotenóides e os flavonóides. A vitamina C elimina os radicais livres do plasma, citosol e outros compartimentos aquosos. A vitamina E e outros antioxidantes hidrofóbicos actuam fundamentalmente nas membranas e nas bicamadas lipídicas (Halliwell e Gutteridge, 2000). Os flavonóides são potentes antioxidantes capazes de actuar como receptores de radicais livres ou de iões metálicos (Yuting et al., 1990). Os compostos fenólicos constituem a maior categoria de fotoquímicos de espécies vegetais, sendo os três grupos mais importantes para a alimentação humana são os flavonóides, ácidos fenólicos e polifenóis (Angelis, 2001). Estes antioxidantes não enzimáticos são introduzidos no organismo através da alimentação diária.
Mas o que são compostos fenólicos?
Os compostos fenólicos são elementos importantes da composição da uva, sendo extraídos para o vinho durante a vinificação. O perfil de compostos fenólicos de um vinho varia bastante em função das técnicas de vinificação, especialmente o tempo e temperatura de fermentação, o tempo de contacto com a película (maceração), as leveduras e bactérias utilizadas, o envelhecimento (quer seja em garrafa ou em barricas de madeira) e o uso de agentes de clarificação. Todos estes factores podem influenciar a quantidade de resveratrol e de outros compostos fenólicos no vinho (Goldberg et al., 1996; Ribéreau-Gayon et al, 1998).
Quimicamente, os compostos fenólicos de origem vegetal podem ser classificados como flavonóides e não flavonóides.
No caso das uvas, os componentes flavonóides compreendem os flavanóis (catequina, epicatequina e epigalocatequina), flavonóis (caempferol, quercetina e miricetina) e antocianinas, enquanto os não-flavonóides incluem os ácidos fenólicos, hidroxibenzóicos e hidroxicinâmicos. Além destes compostos, pode-se encontrar também o resveratrol, um polifenol pertencente à classe dos estilbenos. As antocianinas são flavonóides amplamente distribuídos na natureza e são responsáveis pela maioria das cores azul, violeta e todas as tonalidades de vermelho, presentes em flores e frutos. Em uvas tintas, as antocianinas, constituem a maior percentagem de compostos fenólicos, e influenciam significativamente as características organolépticas do vinho, nomeadamente a sua coloração e o seu sabor. As catequinas e epicatequinas, presentes principalmente nas grainhas das uvas, são os principais compostos fenólicos responsáveis pelo sabor e adstringência de vinhos e sumos de uva. A quercetina, caempferol e miricetina, embora presentes em menor quantidade, possuem importante papel no desenvolvimento da coloração do vinho, actuando como co-pigmentos junto às antocianinas.
Sob o ponto de vista nutracêutico, os flavonóides (catequina, epicatequina e proantocianidinas) são reconhecidamente agentes capazes de reduzirem significativamente a incidência de doenças circulatórias, pois inibem a oxidação de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e previnem a coagulação excessiva do sangue, reduzindo a formação de placas ateroescleróticas (Rauha et al., 2000). Podemos definir que os efeitos bioquímicos e farmacológicos dos flavonóides são muito amplos, com especial destaque para as funções antioxidantes, anti-inflamatórias, anti-coagulantes, e de prevenção do envelhecimento das células cerebrais, podendo assim evitar ou minorar os efeitos de patologias neurológicas como Parkinson ou Alzheimer. Os flavonóides podem inibir enzimas como a prostaglandina sintetase, a lipo-oxigenase e a ciclo-oxigenase, todas relacionadas directamente com a tumorigénese. Também têm o poder de activar enzimas do sistema desintoxicante como a glutationa-transferase. Os flavonóides podem ainda regenerar a forma activa de outros antioxidantes alimentares como a vitamina C ou a vitamina E, que são eficientes sequestradores de radicais livres (Koo e Suhaila, 2001).
Os estilbenos são compostos fenólicos complexos, presentes na uva, no vinho e na madeira de carvalho (Ribéreau-Gayon et al., 1998). O composto mais conhecido desta família é o resveratrol que está presente tanto na uva como no vinho.
O resveratrol encontra-se essencialmente na película, mas lamentavelmente a correspondência entre o seu teor na película e o seu teor nos vinhos é relativamente baixa (Sun et al., 2006).
A extracção de estilbenos a partir de uvas ou dos seus subprodutos tem sido abordada por muitos investigadores dada a bioactividade destes compostos. Os estilbenos actuam como fitoalexinas relativamente às plantas que os formam, ou seja, protegem-nas de infecções microbianas ou dos efeitos nocivos da radiação ultravioleta. Na última década surgiram diversos estudos que demonstraram que estes compostos são benéficos para a saúde humana devido às suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes, anti-tumorais e aos seus efeitos cardio e neuro-protectores. Por serem compostos fenólicos, apresentam também actividade na modulação do metabolismo dos lípidos e na inibição da oxidação de lipoproteínas de baixa densidade, podendo prevenir assim os níveis altos de colesterol (Dominguez et al., 2001; Kolouchová-Hanzliková et al., 2004).
No entanto, não está ainda completamente esclarecido quais os antioxidantes presentes nos vinhos tintos que mais contribuem para a sua actividade biológica.
Sabe-se que as antocianinas são pouco absorvidas a nível intestinal sendo encontradas predominantemente na urina e não no sangue, após 3 horas de digestão (Cao et al., 2001). No entanto, tanto as catequinas como o resveratrol podem ser encontrados no plasma após ingestão de vinho tinto (De Lange et al., 2003).
Por outro lado, o teor de resveratrol nos vinhos tintos é cerca de 10 a 20 vezes mais baixo que as catequinas, pelo que estes compostos poderão ter uma maior contribuição para a actividade biológica do vinho tinto pelo facto de estarem presentes em doses superiores (Ling et al., 2011).
Assim não está completamente esclarecida a relação entre a actividade biológica do vinho tinto e a biodisponibilidade dos seus componentes fenólicos apesar de se verificar que o vinho tinto tem um efeito benéfico sobre o sistema cardiovascular que é muito superior ao do vinho branco (Ling et al., 2011).
Fuhrman e colaboradores refere que os vinhos tintos apresentam maior actividade antioxidante do que os vinhos brancos. Justifica esta situação pelo maior teor de flavonóides que existe nas películas das uvas tintas (Fuhrman et al., 2001). Em 2003, Lugasi e colaboradores, foram mais incisivos e definiram que nos vinhos tintos, o teor em compostos fenólicos totais pode variar entre 708 e 4059 mgL-1 expresso em equivalentes de ácido gálico. Nos vinhos brancos, os valores são muito baixos e variam entre 165 a 331 mgL-1 (Lugasi et al., 2003).
Actualmente, a composição fenólica dos vinhos, responsável pelas suas características organolépticas e informação das características maioritárias do vinho, pode ser usada como “impressão digital” para a sua diferenciação, de acordo com a origem geográfica, casta e ano de produção. A escolha do tipo de vinificação e das práticas enológicas tem como objectivo a qualidade do vinho como produto final e está relacionado com o conhecimento das características físico-químicas da uva, bem como a avaliação da influência das diferentes práticas utilizadas desde a vinha até ao vinho. O conhecimento dos processos químicos que se realizam ao longo deste caminho, vinha-vinho, são cruciais para melhorar a cor do vinho e as suas características nutricionais e funcionais. Num futuro próximo, esperamos que a evolução destes conhecimentos nos leve a conseguir um maior e melhor controlo de qualidade final do produto vinho (Garrido et al., 2011).
Fiquem atentos ao próximo texto!
Bebam vinho, com moderação! Pela vossa saúde!